Por Márcio Michelasi
Vamos à história. O tema é complexo demais para ser resumido em poucas linhas. Então, se você tem paciência para debates trabalhistas e questões sociais, fique até o final.
Atualmente, duas iniciativas de destaque, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 221/2019, apresentada pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) e a PEC proposta pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), vem levantando vários debates polêmicos sobre o fim da escala de trabalho 6×1.
De todas as conversas e conferências das quais participei nos últimos dias, o ponto controverso discutido pelos membros de nosso mercado é o impacto econômico que tais mudanças podem causar à sustentabilidade econômica dos negócios do setor da beleza, em considerando que as empresas já enfrentam diversas fragilidades, incluindo o acúmulo de dívidas oriundas da pandemia.
Os bons empresários do setor da beleza, com os quais conversei, nunca depreciam o trabalho de seus empregados. Ao contrário, muitos fazem concessões além das previstas em regras normativas, as quais deveriam servir de exemplo para todos aqueles que valorizam suas equipes. Esses empresários sabem que um salão de beleza limpinho, cheiroso e organizado só funciona graças ao trabalho de seus empregados.
A grande preocupação é como sobreviver no mercado da beleza diante de tantas incertezas, como a reforma tributária e o aumento de custos.
Feitas essas considerações iniciais, quero propor uma reflexão sobre o princípio do “primado do trabalho” que enfatiza que o trabalho não é apenas um meio de subsistência, mas um direito e um dever que contribui para a dignidade e o desenvolvimento pleno do ser humano.
Não podemos esquecer que o Brasil tem a mancha histórica do trabalho escravo, quando os trabalhadores eram tidos como propriedades dos seus senhores, considerados “coisas ou objetos negociáveis”.
E hoje, escrevendo no Dia da Consciência Negra, questiono: quanto vale a sua liberdade de ir e vir?
Não estou falando de comparar trabalhos especializados com serviços comuns, pois esse não é um debate sobre meritocracia. Aliás, a Constituição Federal, veda distinção de importância entre os tipos de trabalho, na forma do em seu artigo 7º, inciso XXXII, que dispõe sobre a “proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos”. Um lixeiro ou um médico tem o mesmo grau de importância. Nem precisa pensar muito, só imaginar o que acontece se não tivermos quem recolha os lixos das ruas!
Diferente do período da escravidão, hoje a liberdade do trabalhador é trocada por um salário. Durante a maior parte do dia, considerando as horas de deslocamento e de trabalho, o trabalhador vende sua mão de obra ao empregador e não pode escolher seus dias de prestação de serviços como faz um trabalhador autônomo, sob de incorrer em penalidades contratuais.
Qual é a média paga para um trabalhador no setor da beleza?
No setor da beleza “formalizado”, a maioria dos trabalhadores em todo o Brasil ganha um salário-mínimo federal ou um piso da categoria que em média nacional não passa de R$ 1.500,00. O custo estimado ao empregador é o valor do salário nominal mais cerca de 70% em encargos e acessórios, resultando em um custo médio de R$ 2.550,00.
Conforme todas as pesquisas, as empresas que movimentam a economia são nano, micro e pequenas empresas. Elas são formadas por empreendedores que arriscam seus sonhos e economias para criar um negócio e sustentar suas famílias.
Um custo mensal de R$ 2.550,00 para uma recepcionista em um pequeno salão de beleza (que muitas vezes não fatura nem mesmo 10 mil por mês) é exorbitante e muitas vezes inaplicável, o que leva à informalidade e, consequentemente, às ações trabalhistas.
Algum sindicalista que discorde disso não conhece o mercado da beleza e não entende o mínimo de matemática comercial. Basta somar os valores de aluguel, publicidade, água, energia, telefonia, contador, taxas financeiras, seguros, entre outros. Tudo isso sem garantia de lucro.
Se um profissional-parceiro fica descontente, ele pode romper o pacto e sair da relação cumprindo, no máximo, um aviso prévio previsto na lei da parceria (Lei 13.352/2016). Todavia, o dono do salão não tem essa flexibilidade, ele tem que se virar com as contas, inclusive os salários dos empregados que mantêm a estrutura, mesmo que não entre um único cliente no mês.
A maioria dos empreendedores da beleza – que atualmente somam cerca de 1,5 milhão de micro e pequenos negócios – são formados por trabalhadores-empresários lutando para sustentar a si mesmos e suas famílias, além de manter o empreendimento para gerar dividendos para os seus trabalhadores-empregados e suas famílias.
Quem não se comova com essa situação, com certeza deve ter algum grau de psicopatia (falta de empatia).
Tirando os psicopatas ou narcisistas patológicos, duvido que um cidadão-empresário “verdadeiramente de bem” defenda que o trabalhador não mereça ter descanso ou mais tempo com sua família, tema que é o cerne do debate da escala 6×1. Ainda que saibamos que isso ainda é uma utopia, pois é sabido que o trabalhador não vai descansar com a família; ele vai usar desse tempinho a mais para trabalhar em algo que complemente a sua renda, sem falar das mulheres que têm tripla jornada.
Apesar de existir no mundo moderno empresários que valorizam mais sapatos, bolsas ou roupas de marca do que o trabalho humano (ou, digamos, o sangue e suor de uma mãe ou arrimo de família), sabemos que essa não é a realidade universal, ainda há esperança no ser humano.
A verdade é que o nosso mercado ainda é muito informal e digo isso pelas centenas de reclamações que chegam diariamente ao sindicato e ao Ministério Público sobre a ausência de carteira assinada para trabalhadores que atuam como empregados. Outro grande dilema que serve de pauta para outra matéria!
Com todo o respeito, a mudança da escala de 6×1 para salões de beleza impactará apenas aqueles não entendem de gestão de negócios de beleza ou que estão muito mal assessorados juridicamente ou contabilmente.
Infelizmente, os salões de beleza ainda utilizam muito mal as normas coletivas, diga-se, normas que oferecem soluções para todos os tipos de negócios do setor. Nelas, existem arranjos trabalhistas para as mais diferentes realidades, como pisos salariais por horas reduzidas e a implantação do REPIS para empresas em dificuldades.
Raras ou quase inexistes são as empresas que podem ser chamadas de empresas de grande porte no setor, em comparando com as grandes corporações de outros mercados. As empresas que se aproximam desse conceito são os salões de luxo, os quais são poucos, numericamente, no mercado brasileiro, cujos salários e remunerações de seus empregados seguem outro tipo de nivelamento que não se baseia pelo custo mínimo, mas sim pela prática do nicho de mercado.
O que observamos de toda a discussão em torno do tema “escala 6×1”, muito utilizada por lojistas, farmácias e outros segmentos, é que vemos um grito de indignação contido, fato social evidenciado pelo movimento laboral que vem se organizando nos últimos dias em torno desse tema, movimento que vem acumulando milhões de assinaturas de apoio. Com base nesses fatos, creio que é um processo sem volta e essa escala será aprovada, pois os fundamentos de defesa se baseiam em práticas laborais de grandes economias que utilizam a escala 5×2 como regra.
É importante que todos os membros do mercado de beleza saibam que não estão desamparados caso a PEC, que determinará mudanças nas jornadas de trabalhadores, seja aprovada. Apenas serão necessários ajustes e a realização de novos cálculos, os quais sugiro que sejam amparados em previsões normativas para flexibilização de jornadas e ajustes compensatórios, conforme previsto em lei.
O Sindicato Nacional Pró-Beleza, visando às boas práticas, mantém pactos de cooperação e núcleos intersindicais com importantes associações consultivas do mercado da beleza, a exemplo das entidades ABSB – Associação Brasileira de Serviços de Beleza e do INDESB – Instituto Nacional do Desenvolvimento Econômico do Setor da Beleza.
Nesses núcleos intersindicais, acima citados, são realizadas as mais diversas orientações, com enfoque na apresentação das melhores práticas em negociações trabalhistas e de direito coletivo do trabalho, sobretudo para que os empresários do setor não caiam nas valas comuns de normas coletivas espúrias e que não reflitam os contratos realidades do setor, pois, não podemos esquecer que um negócio que feche suas portas representa menos postos de trabalhos aos empregados do setor da beleza. Ou seja, o interesse do sucesso de um empreendimento deve ser de todos os membros de uma categoria.
Créditos (Fotos da internet).
Imagem em destaque: https://www.brasildefatomg.com.br/2024/11/18/o-fim-da-escala-6×1-e-so-o-comeco-vamos-as-ruas-por-uma-vida-digna
Foto deputados: https://revistaforum.com.br/politica/2024/11/11/fim-do-6×1-pt-reginaldo-lopes-ja-tm-proposta-de-reduo-da-jornada-desde-2019-169077.html